“Era o Hotel Cambridge”, um retrato de resistência

É com a imagem de prédios nitidamente abandonados que somos introduzidos a “Era o Hotel Cambridge”. Fragmentos da vida periférica da grande São Paulo rompem-se quando vemos diante de nossos olhos pedacinhos daquelas habitações que estavam a ponto de se desgastar por completo. São em torno dessas condições precárias que vivem os carismáticos habitantes do Hotel Cambridge.
Em torno a diálogos entre os povos refugiados de diferentes nacionalidades e os próprios brasileiros, se constrói uma constante integração cultural.
“Somos refugiados brasileiros do Brasil”
É dessa integração que provém o elo de solidariedade que perdura durante toda a obra. Um dos pontos mais interessantes do longa é a sua construção que chega a surpreender quando sabemos que ele foi gravado misturando atores reais com verdadeiros habitantes da ocupação do hotel. É com esse aspecto que a diretora Eliane Caffé nos introduz a histórias da vida real desses habitantes. A ligação das imagens ficcionais a imagens documentais é feita com tanta maestria, que enxergamos a obra como um todo, não separando suas duas facetas. A narrativa vai além e enfatiza o aspecto de coletividade quando não foca em um único personagem, mas neles em conjunto, enraizando diferentes segmentos. Caminhando do drama a momentos de alivio cômico, passamos a entender o porquê de cada um estar ali. Eliane nos cria a imersão numa realidade tão pouco explorada, a dos povos refugiados.
“A desordem do sistema é a nossa ordem.”
E dessa desordem, vem a resistência, o poder da união entre esses povos tão diferentes.
Mas não é só com o desenrolar da narrativa que “Era o Hotel Cambridge” passa a se destacar. Em termos estéticos, o filme também surpreende. Percebe-se o uso das imagens estáticas de baixo para cima. Uma delas, mostrando a grande escada em espiral do prédio, preenche a tela compondo a linda fotografia da obra. Quando mais atrelada ao lado ficcional, a estética fica gritante. Em contrapartida, quando no lado documental, presenciamos imagens que parecem caseiras, filmadas ali, na realidade nua e crua dos refugiados.
O filme caminha numa linearidade que pouco a pouco destrincha os pontos mais difíceis atravessados por aquelas pessoas e sua luta constante. Imagens da ocupação, intervenção policial, comentários de ódio na internet… Lidar com esses detalhes, assim como a luta, torna-se um fator determinante na vida deles.
“Somos todos refugiados, refugiados na nossa falta de direitos”
Para além do caráter reflexivo, a obra de Eliane nos traz momentos únicos de harmonia. No meio de tempos difíceis, eles trazem a dança, o teatro, a vontade de externar para fora do Hotel os fragmentos trazidos de suas culturas. Algo bonito de se ver.

O movimento, com força ainda maior, caminha unido até o final, final que para eles sempre seria um (re)começo.
Recomeço da luta pelos direitos perdidos, da necessidade de um lar. No desfecho do longa, Eliane nos traz diversas imagens dos movimentos populares que existem de verdade. Chegamos a conclusão que agora fica ainda mais explicita: a luta é mais do que inerente. É real.