“Doméstica” e o racismo velado da sociedade

Imagem: Vitrine Filmes

Em um aspecto sociológico, nós, as pessoas, somos os principais objetos de estudo, porque oferecemos diversas nuances para análise. Na sociedade brasileira, formada por diversas matrizes populacionais, ou seja, altamente miscigenada, há um campo antropológico muito rico a ser explorado.

Sem dúvidas, caso algum cineasta escolha por se aventurar nessa exploração, o gênero mais indicado de filme é o documentário, por ser, de todos os estilos fílmicos, àquele mais próximo da realidade e, portanto, o mais distante da ficção, podendo servir como exercício de costumes, trabalho acadêmico e claro, entretenimento.

Assim, a decisão de Gabriel Mascaro de filmar “Doméstica” como um documentário, além de ser elegante, é a correta e possivelmente a única opção viável. Temos nesta projeção, a realidade exposta de diversas formas, por pessoas diferentes, em lugares variados da mistura de povos que forma o nosso país.

Jovens, de em média 16 anos de idade, foram convidados pelo diretor a filmar as empregadas domésticas de suas casas, vivendo em lugares diferentes, tendo criações e situações financeiras dispares, o resultado do filme é a mostra das relações de poder e do preconceito velado presente em relação a profissão.

Levando esse último ponto em consideração é bacana perceber como o filme incomoda (e nesse caso é necessário), pois nos faz notar que o racismo no Brasil não é claro, exposto, as pessoas não expõem suas opiniões, e logo, temos a discriminação de maneira velada, como se tudo fosse comum.

Essa “normalidade” fica bem clara nas diversas filmagens assistidas nas curtas uma hora e quinze de projeção. Uma família fala muito bem de “sua” empregada, em determinado momento a patroa chega a chorar ao falar do nascimento da filha da moça, porém, em nenhuma ocasião a filha desta (a jovem convidada pelo diretor) da voz a empregada e esta quando aparece, não fala, ou seja, o afeto demonstrado ali pode não ser o sentimento real.

Em outro segmento, o adolescente com a câmera não percebe como a doméstica é solitária e como esta busca sair dessa carência conversando com o jovem e sua irmã, por esta falta de percepção, apesar de ele trata-la bem, certas palavras que machucam a mulher são ditas e ele nem se dá conta.

Vale destacar o outro ponto, o positivo, há filmagens comoventes ali, de jovens que realmente sentem afeto por quem trabalha na sua moradia (destaque para a moradora de São Paulo). Porém, há um motivo, um ponto em comum, todos esses que sentem um carinho real foram muito bem-educados, e não digo apenas os mais abastados, até porque o filme aborda empregadas que trabalham em casas de diversas classes sociais, e isso confirma o poder da educação, infinito como ele é, podendo criar laços entre pessoas e não entre contas bancarias.

Portanto, “Doméstica” é um documentário rico, didático sem a intenção de educar ninguém, real, duro e principalmente comprometido na sua proposta. Gabriel Mascaro domina a técnica e também o conceito de alteridade, cada vez mais necessário nos dias de hoje.