Crítica | “Laerte-se”


A temática acerca do movimento transgênero vem crescendo pouco a pouco nos meios midiáticos no Brasil. Infelizmente, no campo do audiovisual, ainda há a escassez em torno do tema. São praticamente nulas as obras ficcionais que o abordam. Entretanto, no campo documental surgem pouco a pouco uma gama de obras que nos fazer emergir ainda mais nesse assunto que caminha gradativamente rumo a quebra de tabus. No ano de 2017, duas obras em questão tomam destaque: o filme original da Netflix “Laerte-se” e o documentário de Leandra Leal “Divinas Divas”, que está em exibição nas salas de cinema. Hoje, trazemos uma reflexão acerca da obra de Eliane Brum e Lygia Barbosa, disponível na plataforma do Netflix.
O documentário das duas nos traz uma imersão no universo de Laerte, quadrinista que recentemente ficou mais conhecido ao se assumir transgênero, depois de uma vida de casamentos, filhos e atrelado ao gênero masculino. A libertação de Laerte é inspiradora para quem, assim como ele, não se identifica com o gênero com o qual nasceu. O modo com que Eliane e Lygia filmam a rotina de Laerte, a vida tal como ela é, nos aproximam dessa realidade cada vez mais presente. Realidade essa a qual, como citamos no inicio do texto, precisa da quebra de tabus. Ver uma abordagem dessa temática numa grande plataforma de streaming como o Netflix não deixa de ser um grande passo.
Quando assistimos “Laerte-se”, somos conduzidos a uma longa conversa com ela. Esse dialogo constante faz um link com algumas tirinhas de Laerte, que passamos a enxergar como fragmentos da vida da mesma. As tirinhas ganham vida na tela, proporcionando-nos a oportunidade de ver seu traço, tão único, ganhando movimento através de animações. Um dos personagens de Laerte mais comentados, Hugo, é visto como um alter ego da própria Laerte, que passou junto a ele pela mesma mudança de gênero. É bonito ver a conexão de suas obras com sua vida.
As conversas das diretoras com Laerte vão além, traduzindo-nos o aspecto da vida dele, como foram as reações no âmbito familiar, sua relação (saudável) com o neto e os filhos e como foram impactantes na sua vivência as descobertas de viver, livre, do jeito que gostaria. Laerte conta como foi ver-se no espelho pela primeira vez depois de sua mudança: “Eu abri uma comporta, uma porta, que está me levando para coisas que nunca fiz.”
E vamos conhecendo mais e mais sobre ela e esse caminhar diante da “audácia” (em suas próprias palavras) de mudar e assumir seu corpo. Audácia que quebra tabus, audácia necessária, audácia real, audácia da vida, audácia normal, audácia que é fragmento dessa minoria que precisa cada vez mais de sua voz.