“Cache” e a constante falta de privacidade

Imagem: Divulgação

Em uma sociedade conectada, se tornou comum olharmos para outras pessoas sem as conhecermos. Com a presença constante da tecnologia e das redes sociais digitais isso fica potencializado, de forma a sermos rotineiramente “assistidos”, mesmo não nos dando conta disso (ou percebendo a vigília, mas não dando a mínima para ela). Michael Haneke, se apercebeu disso cedo, e o retratou em “Cache”.

Mesmo sendo um filme lançado em 2005 – ou seja, a constância do digital ainda engatinhava –  se mostra atual pôr na época revelar uma tendência e hoje mostrar o cotidiano. E a projeção incomoda, mas não se engane, isso é um elogio, pois a obra tem justamente esse objetivo, expor um acontecimento muito comum – mesmo as pessoas escolhendo negar – de uma maneira didática, forte, marcante, usando uma câmera claustrofóbica como um dos seus personagens.

Logo, quando vemos a casa do casal principal (Juliette Binoche e Daniel Auteuil), não apenas a vemos do ponto de vista de quem vigia, mas, a enxergamos como quem a vigia. Assim, em determinados momentos, somos os vigiadores e em outros somos os vigiados. Essa troca faz parte da direção de Haneke.

Temos o seguinte, Anne (Binoche) editora de livros e Georges (Auteuil) apresentador de um programa televisivo recebem uma fita onde é mostrada a sua casa do lado de fora, há alguém os vigiando e fazendo questão de que os dois saibam disso. Outras fitas vão sendo recebidas pelo casal, este se encontra desesperado, sem saber como agir.

Em uma sociedade de stalkers, um filme aborda a história dos efeitos dessa perseguição nas pessoas, servindo como um estudo de personagem rico e cruel. Como dito em um dos parágrafos acima, se em determinados momentos acompanhamos o sofrimento dos personagens, em outros somos nós os causadores desse sentimento.

Isso se deve a câmera e como esta se posiciona em determinadas cenas é o maior ponto positivo na forma técnica do filme. Logo na primeira cena do filme fica claro como veremos a casa em momentos de vigília, câmera parada, em uma reta, na travessa da rua onde os personagens vivem, nunca focando em um deles de maneira especifica e sim no ambiente como um todo.

Porém, a câmera muda em certos momentos, a distância adotada nos planos gerais utilizados é substituída pela aproximação dos personagens, como se estivéssemos ao lado deles, quase nunca os vendo de frente, como se nós, o público, nos encontrássemos olhando para eles meio de lado, com o canto do olho, buscando escutar algo não pertencente a nós.

Isso também fica claro nos ângulos adotados para o enquadramento. Muitas vezes, veremos os personagens entre paredes, em frente a algum objeto de mobília (e assim, no meio destes), e claro, estando no meio de outras duas pessoas, como se eles se encontrassem presos o tempo inteiro e não se dessem conta disso. Como se todos nós fossemos vigiados o tempo inteiro seja por conhecidos ou por desconhecidos.

Assim, o fato de Georges ser um apresentador bem-sucedido de um programa de televisão, ou seja, ter como profissão, um âmbito onde pessoas conhecidas e desconhecidas o vigiam, é uma sacada e tanto, principalmente se levarmos em consideração o descontrole descomunal do homem, que, ao perceber a vigília de alguém estranho, não percebe que o incomodo sentido por ele é o conhecimento de estar sendo vigiado e não a prática em si.

Portanto, “Cache” é um filme sobre hoje, e infelizmente sobre o amanhã também, pois aparentemente, caminhamos para uma imersão tecnológica cada vez mais invasiva. Mesmo que escolhamos não enxergar isto.