Crítica | A Forma da Água (The Shape of Water) [2017]

Nota do filme:

Guillermo Del Toro disse certa vez em sua rede social que escreveu o roteiro de A Forma da Água ouvindo a trilha sonora de seu filme favorito do diretor Paul Thomas Anderson, a comédia romântica Embriagados de Amor. O diretor afirmou que com essa inspiração, aprendeu a inserir emoções as suas fabulosas ideias. Esse foi apenas o início da história encantadora que Del Toro nos presenteou e com fortes chances ao Oscar 2018.

A Forma da Água conta a história de Eliza Esposito (Sally Hawkins), uma zeladora muda que trabalha no laboratório secreto do governo americano ao lado de sua melhor amiga Zelda (Octavia Espencer). Sua vida muda completamente quando ela se depara com o projeto secreto para derrotar os soviéticos; um Homem-Peixe que interage com ela, criando um forte relação entre os dois. Para viver esse amor proibido, Eliza busca formas de libertar a besta do laboratório com ajuda de seus amigos para viver uma paixão incompreendida por muitos.

Talvez esse seja a obra mais bem resolvida de Del Toro, quem conhece seu trabalho, sabe que ele tem fascínio pelas mitológicas criaturas que aparecem em seus sonhos. Seu trabalho de 2006, O Labirinto do Fauno, a experiência é voltada para o imaginário, uma alegoria de criaturas sombrias que rodeiam a protagonista Ofélia, que busca meios de curar sua mãe enferma. Em A Forma da Agua, existe um tom mais otimista, amoroso e até familiar. As animações da Disney certamente serviram de inspiração para o diretor, basta notar pelo amor impossível vivido por Eliza e pelo Homem-Peixe que poderia ser facilmente vinculado a obra A Bela e a Fera. Além da clara semelhança com filme O Monstro da Lagoa Negra, de 1954. Porém o diretor trata seus personagens, principalmente a protagonista, de maneira mais íntima e sem qualquer censura.

Homem-Peixe de A Forma da Água à esquerda e à direita O Monstro da Lagoa Negra

Sally Hawkins entrega uma performance carismática e apaixonante, a atriz consegue emitir uma gama de emoções sem dizer uma palavra se quer, é raro ver isso na atualidade. Grande exemplo disso é na cena onde tenta dizer a fera que o ama, mas não consegue porque encontra dificuldades em se expressar de uma forma que ele entenda. Octavia Spencer tem uma forte presença e rende bons momentos cômicos com Eliza e seu marido. Michael Shannon faz o vilão detestável que tenta de qualquer maneira maltratar a Besta interpretado por Doug Jones — sim, o mesmo ator que fez Abe Sapien no filme Hellboy. Aqui ele faz algo semelhante — que proporciona momentos de ternura com a protagonista. Michael Stuhlbarg é essencial para o mover da trama e o personagem tem camadas, pois tem dúvidas sobre o que é certo e errado. Mesmo com um arco problemático e apressado, o personagem de Richard Jenkins demonstra imenso carinho com Eliza e a ajuda inúmeras vezes.

Sally Hawkins (esquerda) fala muito sem dizer uma palavra

Nos quesitos técnicos não poderia ser diferente, Del Toro faz questão de exibir os pequenos detalhes com precisão. O design de produção é essencial para inserir o público naquele mundo, basta notar pelo trabalho feito por onde Eliza passa: desde sua casa enferrujada e velha até o laboratório moderno e bem equipado onde mora a besta. Tudo isso é realçado graças a brilhante cinematografia de Dan Laustsen — terceira parceria com o diretor — que usa paleta de cores azuladas, criando uma narrativa com o próprio núcleo do filme. A compositor Alexandre Desplat faz o melhor trabalho de sua carreira entregando uma trilha sonora magistral, utilizando o sintetizador e instrumento de cordas para criar sons que remetem a melodias marítimas.

Apesar do longa perder peso durante os 15 minutos finais de projeção, A Forma da Água entrega uma história romântica fascinante, recheada de belíssimos momentos aliados a direção brilhante de Del Toro e um elenco robusto que tornam a fábula quase palpável de tamanho carinho que foi feito. Desde o momento onde duas partículas de água se encontram formando a união até o final lírico.