A desconstrução do ideal com Veludo Azul

É inegável afirmar que David Lynch é um dos grandes diretores da historia, por ser um dos poucos que domina o surrealismo ou por seus filmes possuírem sua própria essência, a marca registrada do diretor, ou por até mesmo fazer filmes incompreensivelmente compreensíveis, um cinema inteligente, sensorial e imersivo. E em Veludo Azul, filme considerado por muitos o melhor do diretor, é aonde Lynch grava sua marca no cinema, dando o tom em todo o resto de sua filmografia após esse clássico oitentista.

O filme se inicia com a câmera pousando suavemente em um jardim de rosas, aonde da a impressão ao espectador de ter sido teletransportado a algum lugar estranho. Após essa cena, seguimos em mais um jardim, talvez de margaridas, cortando para uma cena com crianças atravessando a rua, bombeiros em slow motion acenando para todos, um homem regando seu jardim em um dia ensolarado. Basicamente um dia normal na cidade perfeita de Lumbertown. Porém, tudo acaba por mudar quando o homem que estava regando o jardim sofre um acidente devido a sua frágil condição de saúde.

Com isso, seu filho Jeffrey Beumont, o protagonista da história, acaba por retornar a cidade para cuidar de seu pai hospitalizado, questionando a pacacidade de Lumbertown. Porém, nessas idas e vindas ao hospital, Jeffrey encontra uma orelha humana decepada pelo caminho que percorre. Este é o ponto inicial de toda a história, pois ele entrega a orelha para o policial e acaba por investigar sozinho, entrando no submundo de sua cidade, repleto de perversão, sadismo, estupro, violência, drogas e gangsteres. Com essa investigação, ele conhece Dorothy Vallens, uma cantora local que tem forte envolvimento na narrativa.

Jeffrey e Dorothy

Jeffrey observa Dorothy para ver se consegue solucionar o mistério da orelha, e acaba por ir na boate em que ela canta, aonde é conhecida como The Blue Lady (aonde no inglês Blue pode significar triste), tendo uma das cenas mais marcantes do filme: a interpretação de Dorothy cantando Blue Velvet, aonde os olhares dos personagens são a unica comunicação além da letra da canção. Após esse primeiro encontro, ele invade o apartamento da cantora ficando escondido dentro do armário para observa-la. Ela se despe, atende o telefone em que o assunto é o sequestro de um conhecido seu, e logo após descobre Jeffrey escondido, ameaçando com uma faca em sua mão, em uma das cenas de dominação mais intensas do cinema, pede para ele se despir por ele ter visto ela fazer isso. Com isso, quando os dois estão prontos para o ato sexual, o antagonista bate a porta de Dorothy. Devido a esse acontecimento, Jeffrey volta ao armário, enquanto Frank (antagonista), o gangster asmático e drogado, começar a surrar, estuprar e humilhar a cantora, fazendo com que ela obedeça a tudo que ele pede a ela, enquanto o protagonista observa tudo isso dentro do armário sem poder reagir.

Até esse ponto da história, se David Lynch não conseguiu fazer você imergir na atmosfera surrealista e subjetiva do filme, você está assistindo errado. Apesar do filme continuar depois desses acontecimentos, a crítica do diretor está clara, talvez se esclareça ainda mais no final, ao falar que nenhuma cidade é perfeita, o american way of life é uma ideia utópica demais e sempre haverá a sujeira embaixo do carpete, tal como é o submundo de Lumbertown, a cidade aparentemente perfeita.